SOBRE A PEÇA
O espetáculo Fausto(s!) é uma releitura contemporânea do drama “Fausto” de Goethe, em que Fausto faz um pacto com Mefistófeles e tem todos os desejos realizados: torna-se jovem, rico e conquista a mulher por quem se apaixonou. Mas, em um momento de lucidez, o próprio Fausto questiona essa condição: “Mefistófeles criou no meu peito um fogo vivo que me atraí para todas as imagens da beleza. Assim me sinto transportado do desejo ao prazer e, em pleno prazer, anseio pelo desejo”. Na opinião desse coletivo essa é uma característica de todo ser humano: “no auge do prazer, anseia pelo desejo”, acaba de conquistar algo e já está pensando na próxima conquista. Embora Fausto atribua essa falculdade ao demônio, ela é humana, e é, ao mesmo tempo, o motor do mundo e sua maneira de auto-destruição. Nesse sentido todos fizeram o pacto e todos são Fausto(s!).
A estratégia dramatúrgica foi partir de algumas situações sugeridas no texto de Goethe para se criar imagens cênicas que discutisse questões pertinentes ao nosso tempo. Em dado momento do texto original, Fausto questiona Mefistófoles da razão pela qual ele, um demônio com poderes sobrenaturais, perde seu tempo com uma pequena alma, um “grão de areia” em relação ao imenso universo. Diante do questionamento, Mefistófoles se declara incapaz de destruir o mundo:
“Já desencadei sobre ele marés, tempestades, incêndios, tremor de terra: mar e terra contiuam em sossego. Do ar e da àgua, como da terra mil gérmens brotam e frutificam no seco, no úmido, no frio e no quente. Se eu não tivesse reservado o fogo para mim, nada teria de meu”.
Novamente uma leitura de aproximação se faz possível: o demônio se declara incapaz de destruir o mundo, mas basta parar um dia para ver os noticiários, todos os problemas de aquecimento glogal, efeito estufa e poluição, para descobrir que o homem, protegido em sua insignificância em relação ao universo está fazendo aos poucos o que Mefistófoles afirma não conseguir.
Essa possibilidade de transitar do clássico ao contemporâneo foi um dos objetivos motivadores desse espetáculo. A partir desse pressuposto a cozinha da bruxa que prepara em seu caldeirão um elixir capaz de rejuvenescer Fausto, pode ser uma clínica de reabilitação estética, um spa/academia que oferece serviços de cirurgia plástica, redução de estômago ou escova permanente. Os macacos que circundam e servem a bruxa são também os personal trainers ou enfermeiros estéticos. A intenção é passar do alegórico – personificando Deus, os anjos e o demônio em seres humanos, para chegar na resignificação desses naquilo que está contido em cada indivíduo. Assim a metáfora do bem e do mal pode não ser traduzida como a fisicalização dos seres Deus e Diabo, mas, antes disso, na constatação de que o bem ou o mal estão por ser feitos, são frutos das ações humanas.
Uma das propostas de encenação está ligada a capacidade ‘faustica’ de sair de si mesmo para poder se enchergar, algo eminentemente existencialista, e que insurgiu a idéia de investigar a linguagem do Coro. Como parte de um todo hegemônico o integrante do coro se manifesta criticamente em relação às ações de seu corifeu. Todos os atores fazem parte do coro, mas todos eles tem também seus momentos como Fausto, o personagem/mito que “no auge do prazer anseia pelo desejo”, tornando-se ao mesmo tempo crítico e autor da ação.
Realizado com recursos do Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2009, a montagem do espetáculo Fausto(s!) reuniu um coletivo formado por artistas da Preqaria Cia de Teatro e artistas convidados (Alexandre Toledo, Amanda Prates, Joaquim Elias e Raul Belém Machado). A partir dessas parcerias, a Preqaria Cia de Teatro se propôs abrir sua perspectiva para outras formas de se fazer teatro, sem se distanciar em nada do seu campo de pesquisa: a precariedade da existência humana.
Diretor e Dramaturgo
João Valadares estudou Mascara Neutra e Tragédia Grega com Phillip Gaulier em Paris – FR, é mestre em teatro pela UFMG, formado no Curso Técnico de Ator do Palácio das Artes, e um dos fundadores da Preqaria Cia de Teatro, onde dirigiu e escreveu o espetáculo “Fausto(s!)” (Vencedor do Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2009) e “Tribunal Quarto de Zona”; atuou e produziu o espetáculo “Qorpo Santo”, dirigido por Yuri Simon; escreveu e atua no espetáculo “Nosso Estranho Amor” (Vencedor do Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2008 e Convidado da Mostra Oficial do Festival de Curitiba 2010).
Em trabalhos fora da Preqaria atuou e assina a dramaturgia junto com Sara Pinheiro do espetáculo “Rosa dos Tempos”, montagem da turma de alunos formandos do Palácio das Artes em 2009. Pela Cia do Chá atuou na cena curta “A Mudança” vencedora do prêmio “Cena-Espetáculo” do 10º Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine-Horto. “A Mudança” foi ainda a cena convidada do V Festival de Cenas Breves de Curitiba e do Festival Dulcina de Moraes de Cenas Curtas de Brasília.
João Valadares é coordenador e professor da Escola Livre de Teatro no Sesc-MG de Sete Lagoas desde Março de 2009. Nos últimos anos trabalhou em diversas produções cinematográficas mineiras como produtor, roteirista e diretor. “Outros Dias” produzido pela Preqaria Cia de Teatro é o seu quarto trabalho de direção, precedido de “Waterapoc”, “Leitura Visual do Poema a Flor e a Náusea de Carlos Drummond de Andrade” e “Humanamente Mefisto”.
Além do teatro e do cinema João Valadares é jornalista e foi Diretor de Comunicação da Associação Curta Minas / ABD – MG (2008-2009). Como poeta publicou o livro “Hipoteca” e participou do catálogo “Terças Poéticas Jardins Internos” com 68 poetas de todo o Brasil, realizado pelo Suplemento Literário, Fundação Clóvis Salgado e Secretaria de Cultura de Minas Gerais.
Ficha Técnica
Elenco: Alexandre Toledo, Gabriela Domínguez, Helaine Freitas, Leonardo Horta, Maria Tereza Costa, Milenna Trindade, Raysner d’ Paula, Ronaldo Queiroz.
Direção e Dramaturgia: João Valadares
Cenário: Raul Belém Machado
Figurino: Wiliam Raush
Iluminação: Felipe Cosse, Juliano Coelho e Vladmir Medeiros
Montagem de Luz: Welerson Aquino (Neném)
Assistente de Iluminação: Jésus Lataliza
Preparação Corporal: Joaquim Elias
Preparação Vocal / Trilha Sonora: Amanda Prates
Operação de Som: Helaine Freitas
Coordenação de Produção: Fabio Schmidt
Produção Executiva: Thiago Amador
Projeto Gráfico: Marcus Vinícius Souza
Parceria: Cia do Chá
Realização: Preqaria Cia de Teatro